Não teve para o capitalismo, para o comunismo, para o anarquismo. Quem venceu as disputas ideológicas do século XX, na visão do diretor canadense David Cronenberg, foi um tipo de individualismo contemporâneo, vaidoso e arrogante, um em que identidades são construídas pela tecnologia, pela violência ou pelo erotismo. Os sistemas, para Cronenberg, são consumidos pelos indivíduos que os criaram.
Em “Cosmópolis”, o novo filme do diretor que estreia amanhã no Brasil, o indivíduo é Eric Packer (Robert Pattinson), um investidor de 28 anos, riquíssimo, que percorre Nova York numa limusine moderna, acompanhado de um motorista e seus seguranças. O trânsito está caótico, devido a uma visita presidencial e ao enterro de um rapper famoso, mas Eric não se importa de passar tanto tempo no carro. Lá ele tem tudo à disposição: mulheres, um médico para fazer seus exames periódicos diários — sim, diários — e computadores aos montes para tocar seus negócios. A única coisa que ele não tem, e é exatamente o que o faz querer cruzar a cidade, é um barbeiro para cortar seu cabelo. Eric é dono do presente, mas quer relembrar o passado.
“Cosmópolis” é uma adaptação do romance homônimo publicado pelo escritor americano Don DeLillo em 2003. A trama do filme é bem próxima à do livro, mas o tempo é distinto. Quando DeLillo escreveu “Cosmópolis”, o capitalismo não vivia a pindaíba dos últimos anos, nem pipocavam protestos por todos os lados contra práticas consideradas predatórias.
Alguém pode argumentar, é claro, que a mudança de panorama não faz muita diferença para analisar uma obra. Mas seria um argumento ingênuo: o contexto social dá, sempre deu, mais graça ao cinema. Com Occupy Wall Street na lembrança, com a imagem de banqueiros vaidosos tomando uma surra do mercado em mente, “Cosmópolis” fica mais interessante. E a crítica ao individualismo do cinema de Cronenberg mais preponderante.
Visto hoje, a obra ganha um tom apocalíptico quanto ao futuro (ou seria o presente?) da era da informação que o livro não tinha — e talvez tenha sido justamente a falta de um propósito mais claro que fez com que romance de DeLillo tenha sido tão mal avaliado pela crítica há uma década. O protagonista de “Cosmópolis” é um rapaz que consegue controlar qualquer coisa de dentro de seu carro, que transforma relações pessoais em negócios e que tenta se isolar da cidade ao mesmo tempo em que se aproveita dela. Cronenberg aproveita cada um desses sinais, guiando o filme por meio de diálogos ásperos e personagens quase sempre frios (Pattinson entra bem no clima, numa atuação bastante promissora para quem é mais conhecido pelas caretas pálidas da série “Crepúsculo”).
Enquanto no livro Eric era apenas uma variante yuppie, uma espécie de “Psicopata americano”, mas criado com 12 anos de atraso para o romance de Bret Easton Ellis; no filme, ele se revela o fruto de uma sociedade cada vez menos coletiva. Se Cronenberg estiver certo em sua análise, o que todos nós precisamos é sair para cortar o cabelo.
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