Com tanto biopic para estrear o ano todo nas nossas salas – contando com
uma saturação inegável durante a época de prêmios, às vezes resta a um
cinéfilo perguntar-se que grandes histórias ainda faltarão contar. E no
meio de tanto biopic acadêmico, acima de tudo, interrogar-se, se ainda
valerá a pena contar alguma grande história verídica. E eis que está aí
James Gray, com o seu novo filme, A Cidade Perdida de Z.
A história verídica do explorador britânico Percy Fawcett (Charlie
Hunnam) é o tema de A Cidade Perdida de Z. Numa viagem à Amazónia no
início do século XX, Fawcett descobre provas de eventual civilização até
então desconhecida, a qual teria habitado a região. Relatos de um
nativo, de uma cidade de ouro, aguçam-lhe a curiosidade. O descrédito da
preconceituosa comunidade científica da época não tarda, e, num surto
de determinação, e contando com o apoio da sua mulher (Sienna Miller),
do seu ajudante de campo (Robert Pattinson) e de um abastado biólogo
(Angus Macfayden), Fawcett acaba por regressar à selva. Tudo pelo sonho
de encontrar a cidade, essa que tão eloquentemente denomina de Z.
Uma ode à obsessão destrutiva e ao sonho de Percy Fawcett, A Cidade
Perdida de Z é um filme absolutamente deslumbrante. A lente da câmara de
Darius Khondji, mais que meter-nos no centro da ação, leva-nos às
profundezas da selva amazônica, em shots tão saturados e fílmicos que
quase conseguimos sentir a umidade do lado de cá da tela. A mais recente
produção de James Grey é visualmente irrepreensível; quer seja na
Inglaterra das primeiras décadas do século XX, quer na imensidão da
Amazônia, há um realismo e uma exatidão deveras imersivas. Nunca, em
qualquer instância, julgamos estar a ver um set, e isso diz muito do
filme de Gray.
Gray, mais que um poeta da imagem, sabe traçar o coração de um
personagem. Charlie Hunnam pode não ser o ator mais dotado, mas, a
proferir as falas – e a chorar as lágrimas – escritas por Gray, ninguém o
diria. O Percy Fawcett de A Cidade Perdida de Z é mais que uma imagem
biográfica; é uma personagem de ímpeto e caráter comoventes, e para quem
acredita que uma boa escrita consegue pérolas dos seus atores, A Cidade
Perdida de Z é a prova viva de tal. Até Robert Pattinson se escapa a
parecer o tão tipicamente sofrível; já Sienna Miller volta a mostrar o
quão subvalorizada é como atriz, em particular na sua cena final,
devastadoramente sublime.
Ainda assim, A Cidade Perdida de Z não é uma película isenta das suas
falhas. Se antes de entrar na sala existir a expetativa de que a
aventura rio acima seja uma corrida de thrills e suspense cortantes,
compramos bilhete para o filme errado. Isto não é um rip-off do
Apocalypse Now (1979) de Francis Ford Coppola, o cinema de Gray não
precisa e não vive disso; contudo, estaríamos mentindo se disséssemos
que o clímax do filme é menos que tenso.
É inevitável pensar a certa altura, no entanto, se tantas cenas de
diálogo no seio da Royal Geographic Society eram realmente necessárias.
Isso e toda a exposição dada ao James Murray de Angus Macfayden, que
teve sem dúvida o seu lugar na expedição, mas que em última análise
parece sofrer de excesso de foco. São males menores, todavia, numa
película equilibrada, com todas as frentes da sua produção em pleno
estado de graça.
Quando chega o final das aventuras de Fawcett, há somente um pensamento
que paira no ar. Não importa qualquer pequeno defeito do filme de Gray,
quando a verdade prevalece: já não se faz cinema assim. Quer estejamos a
contemplar a luxuriante cinematografia em película, a audácia de filmar
no coração da selva, ou simplesmente a ideia de arriscar com uma
história que, no meio de tanto fracasso, encontra raros momentos de
triunfo, há uma noção definida. A noção de que James Gray é um grande
cineasta, e que, ainda que esta não seja a sua obra prima, há aqui todo
um valor bruto que é raro encontrarmos na tela do cinema nos dias que
correm.
Via
Via
Nenhum comentário:
Postar um comentário