Durante a exibição de Personal Shopper no New York Film Festival em outubro, Kristen e o diretor do filme, Olivier Assayas, conversaram com o IndieWire sobre o longa. A dupla fala sobre a personalidade de Maureen e também sobre a mensagem de luto que o filme carrega.
Eu prometi a mim mesmo que não falaria sobre meu pai com Kristen Stewart.
Eu repeti essa instrução como um mantra enquanto me preparei para nossa entrevista. Eu não queria que isso fosse sobre mim. Um dos primeiros obstáculos que você tem que enfrentar como um jornalista de cinema é aceitar que você é sempre a pessoa menos interessante no lugar. Enquanto eu sentei com Stewart e o escritor/diretor Olivier Assayas em um pátio vazio do Lincoln Center em uma tarde chuvosa de outubro, não chegava nem perto.
Quando você está de luto, a morte sempre parece relevante. E quando você está falando sobre Personal Shopper, de Assayas, onde a personagem de Stewart é uma medium dos dias modernos que está desesperadamente tentando contato com seu irmão falecido, os mortos sempre estão.
Desde que meu pai morreu, eu estive olhando em todos os lugares. Em casa sinal, por trás de cada consequência, em cada tela. Quando ele estava vivo, eu realmente só o via nos domingos. Agora, eu me encontro lutando com a vontade de o mencionar durante entrevistas, ou invocar sua memória na minha escrita. Ele foi diagnosticado com câncer em março de 2015, ele morreu bem antes do Natal naquele ano, e eu completei o primeiro e único artigo que escrevi sobre ele em junho, quando as últimas pétalas de esperança estavam caindo da flor. Estava se tornando claro que meu pai sofreu um comprometimento cognitivo grave durante a cirurgia para remover seu tumor, e eu escrevi sobre o momento que percebi que eu nunca poderia dizer a ele como me sentia, ou que ele nunca poderia me ouvir se eu dissesse.
Foi uma experiência catártica, mas eu não poderia deixar de sentir que havia algo espalhafatoso e de auto-engrandecimento sobre a exibição. Eu me senti como um desses sociopatas que vão ao microfone durante um Q&A com o público e – ignorando o coro de suspiros – começa a entreter o elenco e equipe com uma história pessoal desconfortável em um lugar público. Essas pessoas são monstros. Em um sanduíche entre Stewart e Assayas, eu estava lutando com a vontade de me colocar ao mesmo patamar deles, em uma luta entre minha crença como jornalista e meu impulso como narcisista.
Eu prometi a mim mesmo que não falaria sobre meu pai com Kristen Stewart.
Mas não esperava que ela me falasse tanto sobre ele.
“Oh meu Deus. Porra!”
Eu tinha perguntado para Kristen Stewart se ela acha mensagens de texto estressantes. Parece que sim. “Você começa a mandar mensagens para uma pessoa e você fica, ‘Okay, isso foi a coisa perfeita para dizer,’ então você olha depois e lê todas as mensagens como um todo, uma coisa visual, e fica tipo…” Ela para e levanta as palmas das mãos.
Olivier Assayas, despejado no banco do meu lado, sentou e agarrou o silêncio momentâneo: “Mensagens de texto é uma forma da comunicação moderna. É única e especial. É algo novo.” O mesmo poderia ter sido dito sobre Personal Shopper, que reinventa as histórias de fantasma ao abordar com retidão radical e um senso moderno de singularidade. O filme está entre as representações mais afetuosas sobre o processo de luto que eu já vi. E de alguma forma, apesar do fato de incluir uma cena onde um fantasma grita e vomita um ectoplasma branco no ar bem no rosto de Stewart, também é uma das mais realistas.
Fortemente direto em um momento e completamente elíptico no outro, Personal Shopper não é apenas uma história sobre uma jovem mulher tentando se conectar com seu irmão no além, mas também uma história sobre como a tecnologia molda o jeito que as pessoas lembram dos mortos e processam sua ausência. Espiritualistas são magnetizados para o espetáculo, então é natural que Maureen esteja constantemente olhando para seu iPhone, usando-o para pesquisar pinturas de Hilma af Klint ou para assistir um clipe de um velho drama de televisão (falso) em que Victor Hugo conduz uma sessão. Essas comunhões digitais emprestam ao thriller lacônico de Assayas o sentimento de uma boneca russa, cada camada escondendo um novo corpo morto.
Na notória história central do filme, a personagem de Stewart é bombardeada com mensagens agressivas e carregadas de sensualidade de um número desconhecido enquanto ela está no trem de Paris para Londres e de volta para Paris. Esticando-se entre 20 minutos, dois países, e possivelmente o além, a cena assume um novo tom quando Maureen começa a se perguntar se ela está mandando mensagem para o fantasma de seu irmão, ou talvez um espírito maligno.
A sequência cativante que causou alvoroço após a estreia do filme em Cannes é ridícula por pelo menos duas razões: Por um lado, pode ser o episódio de assinatura do século XXI do suspense Hitchcockiano. Por outro, é também o material vintage de Assayas, cristalizando o que o cinema moderno tem feito tão bem nos últimos 30 anos.
Da comédia ‘Irma Vep‘ para a revolucionária autobiografia ‘Something in the Air‘, o inseguro artista francês tem sido obcecado por muito tempo com os jeitos que a tecnologia é usada para garantir e incentivar o passado. Absolutamente frio e enganosamente casual, o corpo de trabalho de Assayas é unificado pela graça com a qual reconcilia um mundo encolhido. Seus filmes desfocam as fronteiras entre países, entre séculos e agora mesmo entre dimensões, à medida que examinam o papel que a memória desempenha na determinação de quem somos, individualmente e em conjunto.
Em ‘Summer Hours‘, três irmãos são forçados a negociar sua identidade coletiva quando sua mãe deixa em testamento a propriedade rústica da família e uma lista de lavanderia para lembrança que eles sempre viveram. Em ‘Clouds of Sils Maria‘, a primeira colaboração de Stewart com Assayas, a atriz de meia idade Maria Enders (Juliette Binoche) está assombrada por sua própria lenda e atormentada pela próxima geração de estrelas. Personal Shopper pode ser a primeira vez que Assayas trabalhou explicitamente com o sobrenatural, mas todos os seus filmes parecem com uma história de fantasma.
Tanto assim, que na verdade, Personal Shopper pode ser parecer como um toque no nariz, como David O. Russell fazendo um filme sobre Martin Scorsese ou Wes Anderson fazendo um filme sobre tweed. Assayas riu sobre essa sugestão: “Bom, filmes são sobre fantasmas! Especialmente filmes antigos. As pessoas se tornaram cientes do que o cinema era no final dos anos 50, começo dos anos 60, quando a primeira geração de atores mudos tinha ido embora, e de repente, você tinha esses filmes que eram cheios de fantasmas. Então o cinema sempre foi a terra dos mortos.”
Até as interações de Maureen com os vivos parecem um pouco mórbidas. Ela e seu namorado distante falam exclusivamente pelo Skype, e cada conversa parece uma sessão. “É como se estivessem invocando um ao outro,” disse Stewart. A linha entre os vivos e os mortos parece nublada e permeável, então quando Maureen sugere que as mensagens misteriosas que ela está recebendo possam ser de seu irmão, é surpreendentemente fácil de imaginar que ela pode estar certa.
“As pessoas se sentem no direito de se comunicar na era digital,” Stewart ofereceu sem um traço perceptível de julgamento. “Eu acho que o luto mudou porque estamos tão próximos, não importa onde estamos geograficamente. Agora imagine que alguém faleceu e você fica tipo, ‘Como assim eu não posso falar com eles? Eu sempre posso falar com eles.'”
Eu não preciso imaginar. Meu pai morreu em dezembro – dois meses depois, eu liguei para ele animado para dizer que voei até São Francisco, surpreendi minha namorada (que estava visitando os pais dela), e a pedi em casamento. O telefone tocou três vezes antes que eu lembrasse que ele não ia atender. Na noite seguinte, um pouco cansado e bêbado do vinho do avião, eu fiz de novo. Não seria a última vez, apesar de que eu iria aprender eventualmente a acordar antes de apertar o botão de “chamar”. Nunca foi tão fácil se conectar com alguém, e nunca é mais difícil parar de tentar. Em um tempo onde a presença se tornou tão difícil de definir, eu suponho que seja inevitável que a ausência tenha se tornado algo difícil de reconhecer.
Mas, é claro, teria sido grosseiro dizer isso em voz alta.
Então eu adotei uma estratégia diferente. Inclinei minha experiência pessoal nas perguntas, esperando – como suponho que todos os escritores fazem – que essas subcorrentes emocionais palpáveis, mas não verbalizadas, possam inspirar meus entrevistados a pensar: “Esse cara entende”. Eu fantasiei Assayas e Stewart fumando um cigarro em algum terraço privado após nossa entrevista, desesperados por um assunto que eles falam sobre mim. “Esse cara entende,” Stewart diria entre tragos. “Sim, o que você diz é verdade,” Assayas falaria, seus olhos focados em algo do outro lado da rua. Por um breve momento em uma turnê de imprensa sem fim, eles se sentiriam compreendidos.
“Eu não sei,” Stewart exalou, me tirando do meu sonho. “Eu não tive muitos amigos que faleceram, e minha avó tem cem anos de idade. Eu não lidei muito com a morte, e quando lidei, foi um pouco periférico. Eu não consigo imaginar voltando nas minhas mensagens com essa pessoa e elas estarem lá, mas a pessoa não. O Facebook das pessoas se tornam esse tipo de memorial. Eu acho que ter esses dados em suas mãos o tempo todo, dependendo de como você aborda, pode ser realmente assustador porque é a toca de um coelho. É melhor deixar as coisas passarem e ser afetado por elas, ou sempre tê-las por perto?”
Por um momento longo, eu me preocupo que Stewart esperava que eu respondesse, como se essa pergunta não estivesse pesando em mim por meses. Finalmente, ela me libera:
“Quem sabe?”
Kristen Stewart é uma das pessoas mais famosas do planeta, mas você não saberia disso ao falar com ela, ou por assistir seus filmes recentes. Já fazem quatro anos desde que ela completou as obrigações com a Saga Crepúsculo e ficou livre do aperto da franquia que a lançou para a fama. Nesse tempo, ela interpretou a secretária de Steve Carrell, a assistente de Juliette Binoche, uma jovem advogada no interior de Montana, uma guarda de prisão em Guantanamo, e uma anônima monótona em uma sociedade distópica fundada com a idade de suprimir as coisas que tornam as pessoas especiais.
Ela tem sido atraída para papéis que contradizem sua pessoa pública, confrontando o olho que tudo vê de uma celebridade, e empenhando-se em lentes que a vemos mais claramente. “A maioria das pessoas estão concentradas em seus papéis e tentando se perder neles ou algo assim,” ela disse ao IndieWire no verão passado, “mas eu não quero me perder, eu não quero cair, eu não quero me esconder. Eu quero ser vista.”
Olhando para ela, Stewart tem a ansiedade que caracteriza sua pessoa nas telas. Ela morde os lábios, desvia o olhar, respira sem saber para onde isso vai levá-la, e em nenhum momento ela disse algo fácil ao invés de dizer algo honesto. “É mais interessante assistir alguém descobrir algo e se atrapalhar do que repetir o discurso de alguma inspiração,” ela falou em algum lugar ao longo do caminho, dando o seu melhor para explicar o atrativo que a fez se tornar a favorita dos críticos. “Eu tive que me jogar nas coisas que eu discordo ou me confundem ou me fazem ficar desconfortável, algumas vezes me fazendo ficar com ódio de mim mesma. Mas porque eu comecei tão nova, eu acabei do outro lado de algumas experiências com a minha mente completamente mudada. Eu tive experiências muito positivas de coisas que inicialmente me encheram de desdém.”
Eu não ia perguntar o que ela quis dizer com “coisas”, mas ela foi mais rápida para fechar a porta atrás dela: “‘Seguir em frente’ é meio que o meu mantra.”
Personal Shopper é o perfeito exemplo da inclinação de Stewart para interpretar pessoas bonitas que fazem trabalhos invisíveis, um contraste que permite que a atriz explore o poder expressivo da sua própria vulnerabilidade. O filmes a expõe como nunca antes, nua em cada sentido da palavra. Quando ela não está tentando se comunicar com o espírito de seu irmão, Maureen trabalha para uma celebridade hostil e de muito poder que raramente aparece na tela. Ela corre por Paris e mais, colocando (e tirando) as roupas que ela está pegando para sua chefe, tentando ver se cada figurino pode dizer mais sobre si mesma do que ela pode perceber com seu corpo nu.
“Maureen é metade de uma pessoa,” Stewart disse. “Ela perdeu metade de si mesma.” À noite, ela procura por essa parte perdida nos cantos da casa de seu falecido irmão. Ao dia, ela procurar por ele nos espelhos das lojas de alta costura de paris, e se encontra intrigada e envergonhada da reflexão feminina que parece ser recém descoberta, agora que seu irmão não está mais aqui para balancear.
“Porque não sabemos nada sobre a história anterior de Maureen, ela é como um de nós,” Assayas disse. “Para mim, ela tem uma vida normal, desejos, um namorado, e então, de repente, o mundo entra em colapso. Eu acho que ela é uma página em branco.” Stewart concorda enquanto o diretor se inclina para a frente e olha para ela. Ele continua: “Ela está sozinha com uma ausência, então ela é uma estrangeira; o mundo ao redor dela não é o seu. Ela está em uma situação onde, realmente, tudo é sobre sobrevivência, reconstrução, encontrar seu caminho, e não há interferência porque ela está sozinha em uma terra estranha.” Não fica claro se ele está falando da personagem que ele escreveu ou sobre a atriz para quem ele escreveu.
“Eu era a concha humana,” Stewart relembra a produção, sua voz quebrando com a alegria adrenalina de alguém que sobreviveu a uma experiência de quase morte. “É engraçado… Há uma lista de perguntas básicas e fundamentais que você deveria saber as respostas antes de começar a filmar. Não “deveria”, você tem que saber quem é essa pessoa antes que a história comece. Em retrospecto, é muito louco pensar nisso – eu não sabia nada sobre Maureen que não estava no roteiro, e eu não perguntei. Eu não pensei nisso.”
“Eu era um bebê sem opinião!” Ela continuou, falando mais rápido em cada palavra. “Eu não sabia nada, e foi um sentimento legal. E aterrorizante. Definitivamente precário. Mas é um lugar legal para ficar. Eu só estava ciente do que estávamos fazendo após o fato, e isso é muito pessoal.”
Mais pessoal do que sua performance em Clouds of Sils Maria? Stewart respondeu sem respirar, ela claramente considerou isso: “Parece mais pessoal porque eu me senti mais reduzida. Eu senti que o único jeito que eu poderia ter chegado a uma descoberta ou realização natural era me destruir completamente.”
Se Personal Shopper é o filme que Stewart tem trabalho, articulando melhor o destemido casual que se tornou sua assinatura, é porque nenhum dos outros papéis a levou tão fundo no desconhecido. “Eu não estava perdida,” ela insistiu. “Eu não estava tão inconsciente que eu fiquei tipo, “Não sei o que estou fazendo.’ Só estava tão aberta ao nada. Eu não estava mais fazendo um filme, não estava tentando liderar alguém para algum lugar. Eu estava apenas muito ciente do fato de que algumas perguntas possuem respostas, mas só podem ser feitas espiritualmente e sem palavras.”
Eu senti que Stewart estava tentando dizer (sem dizer) que era conseguia interpretar o luto tão bem porque ela nunca experimentou isso por si mesma. No momento, esse sentimento fez todo o sentido do mundo para mim, e desde então – enquanto eu lutei com esse filme e lutei com a névoa paralítica para escrever sobre isso – isso se tornou cada vez mais a opção mais honesta.
Stewart iria preferir se afogar do que caminhar na água, e Assayas foi inteligente o suficiente para deixá-la pular na parte mais funda da piscina. “Nós estamos sozinhos,” o diretor explicou sobre sua disposição para deixar sua atriz principal assim. “O processo do luto é solitário. Você pode conversar com seu melhor amigo, mas não vai adiantar muito no final. O que pode melhorar é algo que vem de você.”
O que Assayas sabia, e o que Personal Shopper convida Stewart a compartilhar conosco através de sua própria experiência, é que a perda não é só um processo de privação, mas também de deslocação. Luto, no meu quadro limitado de referência, é como ficar perdido na rua que você morou durante sua vida inteira. É um estado horrível de tolice. Não é algo que você pode se preparar. E o filme de Assayas respeita isso – ele é marcado por elipses que nunca são preenchidos, detalhes cruciais são deixados fora da tela, perguntas não respondidas enquanto Maureen lentamente volta a si mesma.
Perder alguém é um fato, mas é um fato que tem que ser aprendido com um idioma. Você chora incontrolavelmente, mais forte do que quando você era criança, porque você não tem palavras para expressar como você se sente. Elas vem até você, mas de um jeito lento e em pedaços que faltam gramática para que você consiga juntar. E quando você finalmente consegue falar, quando você finalmente entende como lidar com o espaço negativo entre as peças que estão faltando e montar algumas frases, sua única recompensa é que você tem falado com você mesmo esse tempo todo. O que Personal Shopper expressa melhor do que qualquer outro filme é que o luto começa com um processo de reconciliamento entre você e todos os jeitos que a pessoa se foi, mas termina com um processo de reconhecimento de todos os jeitos que eles ainda estão aqui. Ainda são uma parte de você.
“Onde quer que deixamos Maureen,” Assayas concluiu, falando sobre o espaço poderoso que fecha seu novo filme, “ela decidiu, finalmente, que seu irmão está com ela e que ele sempre estará lá.” O diretor pensou sobre isso por um momento, organizando as palavras em sua mente. “Você realmente está sozinho no luto.”
Mas graças a filmes como Personal Shopper, isso não é completamente verdade.
Em uma linha do tempo longa, todo filme é uma história de fantasmas.
Eu assisti Personal Shopper novamente após falar com Stewart e Assayas. Eu pensei sobre como Maureen convenceu a si mesma (e a mim) que ela estava recebendo mensagens do além, sobre todos os jeitos que ela tenta fazer contato com seu irmão falecido, e parece para mim que esse é um filme sobre uma mulher que pensa que ela está procurando por uma porta, mas passa a maior parte do seu tempo olhando para espelhos. Maureen pode ser capaz de ver a energia de um fantasma em um corredor, mas ela é mais assombrada do que qualquer uma das casas que ela é contratada para investigar. Ela vê seu irmão em si mesma, e tudo mais é apenas um truque de luz.
Claro, eu vejo meu pai em cada nuvem de fumaça de cigarro e nas papadas que parecem estar se formando um pouco mais rápido de cada lado do meu rosto. Eu sinto ele em botas estilosas que achei em seu guarda roupa depois que ele morreu, que serve em mim apesar do fato de que nossos pés tivessem números diferentes, e que eu usei quase todo dia após de sua morte. Eu até me encontro procurando por ele em seus filmes favoritos (“Doctor Zhivago,” “History of the World: Part One,” “Analyze This, “Mamma Mia!”, e “Django Unchained”), apertando os olhos para a tela como se ele fosse fazer uma participação especial. Mas somente em Personal Shopper, um filme que ele não viveu para ver (e um que ele provavelmente dormiria), que eu o encontrei. É o único filme que me fez sentir como se ele atendesse o telefone toda vez que eu me esquecia de mim mesmo para ligar.
Os mortos vivem em nosso corpo e correm em nossa frente como um filme passando em um projetor, e não podemos evitar de vê-los refletidos em nós. Talvez seja esse o motivo que o cinema sempre foi um barco perfeito para a outra dimensão, porque ele articula mecanicamente o processo pelo qual sempre fomos possuídos pelas pessoas que perdemos, um pulmão de ferro para nossas memórias.
No final das contas, eu contei para Stewart e Assayas sobre meu pai. Eu murmurei algo sobre ele enquanto levantávamos e dizíamos adeus – foi depois que eu parei de gravar. Eu não lembro do que eu disse (apesar de que eu estava muito ocupado ouvindo as palavras saindo da minha boca para realmente ouvir o que um deles tinha para dizer em resposta), mas foi o melhor a fazer.
Naquela noite, eu liguei para o meu pai de novo – de propósito, dessa vez. Eu tive essa ideia dramática boba: Eu ia deixar uma mensagem de voz onde eu iria dizer para ele todas as coisas que eu nunca disse, todas as coisas que ele nunca conseguiu ouvir. E… a linha foi desconectada.
Por um momento, meu coração quebrou novamente. Mas então, lendo minhas transcrição da minha conversa com Stewart e Assayas, eu percebi algo, algo que eu tinha me esquecido: Você pode estar sozinho no luto, mas isso não significa que você tem que viver com seus fantasmas.
Siga em frente é meu mantra, também. Meu pai e eu seguiremos em frente juntos.
Via
Eu prometi a mim mesmo que não falaria sobre meu pai com Kristen Stewart.
Eu repeti essa instrução como um mantra enquanto me preparei para nossa entrevista. Eu não queria que isso fosse sobre mim. Um dos primeiros obstáculos que você tem que enfrentar como um jornalista de cinema é aceitar que você é sempre a pessoa menos interessante no lugar. Enquanto eu sentei com Stewart e o escritor/diretor Olivier Assayas em um pátio vazio do Lincoln Center em uma tarde chuvosa de outubro, não chegava nem perto.
Quando você está de luto, a morte sempre parece relevante. E quando você está falando sobre Personal Shopper, de Assayas, onde a personagem de Stewart é uma medium dos dias modernos que está desesperadamente tentando contato com seu irmão falecido, os mortos sempre estão.
Desde que meu pai morreu, eu estive olhando em todos os lugares. Em casa sinal, por trás de cada consequência, em cada tela. Quando ele estava vivo, eu realmente só o via nos domingos. Agora, eu me encontro lutando com a vontade de o mencionar durante entrevistas, ou invocar sua memória na minha escrita. Ele foi diagnosticado com câncer em março de 2015, ele morreu bem antes do Natal naquele ano, e eu completei o primeiro e único artigo que escrevi sobre ele em junho, quando as últimas pétalas de esperança estavam caindo da flor. Estava se tornando claro que meu pai sofreu um comprometimento cognitivo grave durante a cirurgia para remover seu tumor, e eu escrevi sobre o momento que percebi que eu nunca poderia dizer a ele como me sentia, ou que ele nunca poderia me ouvir se eu dissesse.
Foi uma experiência catártica, mas eu não poderia deixar de sentir que havia algo espalhafatoso e de auto-engrandecimento sobre a exibição. Eu me senti como um desses sociopatas que vão ao microfone durante um Q&A com o público e – ignorando o coro de suspiros – começa a entreter o elenco e equipe com uma história pessoal desconfortável em um lugar público. Essas pessoas são monstros. Em um sanduíche entre Stewart e Assayas, eu estava lutando com a vontade de me colocar ao mesmo patamar deles, em uma luta entre minha crença como jornalista e meu impulso como narcisista.
Eu prometi a mim mesmo que não falaria sobre meu pai com Kristen Stewart.
Mas não esperava que ela me falasse tanto sobre ele.
“Oh meu Deus. Porra!”
Eu tinha perguntado para Kristen Stewart se ela acha mensagens de texto estressantes. Parece que sim. “Você começa a mandar mensagens para uma pessoa e você fica, ‘Okay, isso foi a coisa perfeita para dizer,’ então você olha depois e lê todas as mensagens como um todo, uma coisa visual, e fica tipo…” Ela para e levanta as palmas das mãos.
Olivier Assayas, despejado no banco do meu lado, sentou e agarrou o silêncio momentâneo: “Mensagens de texto é uma forma da comunicação moderna. É única e especial. É algo novo.” O mesmo poderia ter sido dito sobre Personal Shopper, que reinventa as histórias de fantasma ao abordar com retidão radical e um senso moderno de singularidade. O filme está entre as representações mais afetuosas sobre o processo de luto que eu já vi. E de alguma forma, apesar do fato de incluir uma cena onde um fantasma grita e vomita um ectoplasma branco no ar bem no rosto de Stewart, também é uma das mais realistas.
Fortemente direto em um momento e completamente elíptico no outro, Personal Shopper não é apenas uma história sobre uma jovem mulher tentando se conectar com seu irmão no além, mas também uma história sobre como a tecnologia molda o jeito que as pessoas lembram dos mortos e processam sua ausência. Espiritualistas são magnetizados para o espetáculo, então é natural que Maureen esteja constantemente olhando para seu iPhone, usando-o para pesquisar pinturas de Hilma af Klint ou para assistir um clipe de um velho drama de televisão (falso) em que Victor Hugo conduz uma sessão. Essas comunhões digitais emprestam ao thriller lacônico de Assayas o sentimento de uma boneca russa, cada camada escondendo um novo corpo morto.
Na notória história central do filme, a personagem de Stewart é bombardeada com mensagens agressivas e carregadas de sensualidade de um número desconhecido enquanto ela está no trem de Paris para Londres e de volta para Paris. Esticando-se entre 20 minutos, dois países, e possivelmente o além, a cena assume um novo tom quando Maureen começa a se perguntar se ela está mandando mensagem para o fantasma de seu irmão, ou talvez um espírito maligno.
A sequência cativante que causou alvoroço após a estreia do filme em Cannes é ridícula por pelo menos duas razões: Por um lado, pode ser o episódio de assinatura do século XXI do suspense Hitchcockiano. Por outro, é também o material vintage de Assayas, cristalizando o que o cinema moderno tem feito tão bem nos últimos 30 anos.
Da comédia ‘Irma Vep‘ para a revolucionária autobiografia ‘Something in the Air‘, o inseguro artista francês tem sido obcecado por muito tempo com os jeitos que a tecnologia é usada para garantir e incentivar o passado. Absolutamente frio e enganosamente casual, o corpo de trabalho de Assayas é unificado pela graça com a qual reconcilia um mundo encolhido. Seus filmes desfocam as fronteiras entre países, entre séculos e agora mesmo entre dimensões, à medida que examinam o papel que a memória desempenha na determinação de quem somos, individualmente e em conjunto.
Em ‘Summer Hours‘, três irmãos são forçados a negociar sua identidade coletiva quando sua mãe deixa em testamento a propriedade rústica da família e uma lista de lavanderia para lembrança que eles sempre viveram. Em ‘Clouds of Sils Maria‘, a primeira colaboração de Stewart com Assayas, a atriz de meia idade Maria Enders (Juliette Binoche) está assombrada por sua própria lenda e atormentada pela próxima geração de estrelas. Personal Shopper pode ser a primeira vez que Assayas trabalhou explicitamente com o sobrenatural, mas todos os seus filmes parecem com uma história de fantasma.
Tanto assim, que na verdade, Personal Shopper pode ser parecer como um toque no nariz, como David O. Russell fazendo um filme sobre Martin Scorsese ou Wes Anderson fazendo um filme sobre tweed. Assayas riu sobre essa sugestão: “Bom, filmes são sobre fantasmas! Especialmente filmes antigos. As pessoas se tornaram cientes do que o cinema era no final dos anos 50, começo dos anos 60, quando a primeira geração de atores mudos tinha ido embora, e de repente, você tinha esses filmes que eram cheios de fantasmas. Então o cinema sempre foi a terra dos mortos.”
Até as interações de Maureen com os vivos parecem um pouco mórbidas. Ela e seu namorado distante falam exclusivamente pelo Skype, e cada conversa parece uma sessão. “É como se estivessem invocando um ao outro,” disse Stewart. A linha entre os vivos e os mortos parece nublada e permeável, então quando Maureen sugere que as mensagens misteriosas que ela está recebendo possam ser de seu irmão, é surpreendentemente fácil de imaginar que ela pode estar certa.
“As pessoas se sentem no direito de se comunicar na era digital,” Stewart ofereceu sem um traço perceptível de julgamento. “Eu acho que o luto mudou porque estamos tão próximos, não importa onde estamos geograficamente. Agora imagine que alguém faleceu e você fica tipo, ‘Como assim eu não posso falar com eles? Eu sempre posso falar com eles.'”
Eu não preciso imaginar. Meu pai morreu em dezembro – dois meses depois, eu liguei para ele animado para dizer que voei até São Francisco, surpreendi minha namorada (que estava visitando os pais dela), e a pedi em casamento. O telefone tocou três vezes antes que eu lembrasse que ele não ia atender. Na noite seguinte, um pouco cansado e bêbado do vinho do avião, eu fiz de novo. Não seria a última vez, apesar de que eu iria aprender eventualmente a acordar antes de apertar o botão de “chamar”. Nunca foi tão fácil se conectar com alguém, e nunca é mais difícil parar de tentar. Em um tempo onde a presença se tornou tão difícil de definir, eu suponho que seja inevitável que a ausência tenha se tornado algo difícil de reconhecer.
Mas, é claro, teria sido grosseiro dizer isso em voz alta.
Então eu adotei uma estratégia diferente. Inclinei minha experiência pessoal nas perguntas, esperando – como suponho que todos os escritores fazem – que essas subcorrentes emocionais palpáveis, mas não verbalizadas, possam inspirar meus entrevistados a pensar: “Esse cara entende”. Eu fantasiei Assayas e Stewart fumando um cigarro em algum terraço privado após nossa entrevista, desesperados por um assunto que eles falam sobre mim. “Esse cara entende,” Stewart diria entre tragos. “Sim, o que você diz é verdade,” Assayas falaria, seus olhos focados em algo do outro lado da rua. Por um breve momento em uma turnê de imprensa sem fim, eles se sentiriam compreendidos.
“Eu não sei,” Stewart exalou, me tirando do meu sonho. “Eu não tive muitos amigos que faleceram, e minha avó tem cem anos de idade. Eu não lidei muito com a morte, e quando lidei, foi um pouco periférico. Eu não consigo imaginar voltando nas minhas mensagens com essa pessoa e elas estarem lá, mas a pessoa não. O Facebook das pessoas se tornam esse tipo de memorial. Eu acho que ter esses dados em suas mãos o tempo todo, dependendo de como você aborda, pode ser realmente assustador porque é a toca de um coelho. É melhor deixar as coisas passarem e ser afetado por elas, ou sempre tê-las por perto?”
Por um momento longo, eu me preocupo que Stewart esperava que eu respondesse, como se essa pergunta não estivesse pesando em mim por meses. Finalmente, ela me libera:
“Quem sabe?”
Kristen Stewart é uma das pessoas mais famosas do planeta, mas você não saberia disso ao falar com ela, ou por assistir seus filmes recentes. Já fazem quatro anos desde que ela completou as obrigações com a Saga Crepúsculo e ficou livre do aperto da franquia que a lançou para a fama. Nesse tempo, ela interpretou a secretária de Steve Carrell, a assistente de Juliette Binoche, uma jovem advogada no interior de Montana, uma guarda de prisão em Guantanamo, e uma anônima monótona em uma sociedade distópica fundada com a idade de suprimir as coisas que tornam as pessoas especiais.
Ela tem sido atraída para papéis que contradizem sua pessoa pública, confrontando o olho que tudo vê de uma celebridade, e empenhando-se em lentes que a vemos mais claramente. “A maioria das pessoas estão concentradas em seus papéis e tentando se perder neles ou algo assim,” ela disse ao IndieWire no verão passado, “mas eu não quero me perder, eu não quero cair, eu não quero me esconder. Eu quero ser vista.”
Olhando para ela, Stewart tem a ansiedade que caracteriza sua pessoa nas telas. Ela morde os lábios, desvia o olhar, respira sem saber para onde isso vai levá-la, e em nenhum momento ela disse algo fácil ao invés de dizer algo honesto. “É mais interessante assistir alguém descobrir algo e se atrapalhar do que repetir o discurso de alguma inspiração,” ela falou em algum lugar ao longo do caminho, dando o seu melhor para explicar o atrativo que a fez se tornar a favorita dos críticos. “Eu tive que me jogar nas coisas que eu discordo ou me confundem ou me fazem ficar desconfortável, algumas vezes me fazendo ficar com ódio de mim mesma. Mas porque eu comecei tão nova, eu acabei do outro lado de algumas experiências com a minha mente completamente mudada. Eu tive experiências muito positivas de coisas que inicialmente me encheram de desdém.”
Eu não ia perguntar o que ela quis dizer com “coisas”, mas ela foi mais rápida para fechar a porta atrás dela: “‘Seguir em frente’ é meio que o meu mantra.”
Personal Shopper é o perfeito exemplo da inclinação de Stewart para interpretar pessoas bonitas que fazem trabalhos invisíveis, um contraste que permite que a atriz explore o poder expressivo da sua própria vulnerabilidade. O filmes a expõe como nunca antes, nua em cada sentido da palavra. Quando ela não está tentando se comunicar com o espírito de seu irmão, Maureen trabalha para uma celebridade hostil e de muito poder que raramente aparece na tela. Ela corre por Paris e mais, colocando (e tirando) as roupas que ela está pegando para sua chefe, tentando ver se cada figurino pode dizer mais sobre si mesma do que ela pode perceber com seu corpo nu.
“Maureen é metade de uma pessoa,” Stewart disse. “Ela perdeu metade de si mesma.” À noite, ela procura por essa parte perdida nos cantos da casa de seu falecido irmão. Ao dia, ela procurar por ele nos espelhos das lojas de alta costura de paris, e se encontra intrigada e envergonhada da reflexão feminina que parece ser recém descoberta, agora que seu irmão não está mais aqui para balancear.
“Porque não sabemos nada sobre a história anterior de Maureen, ela é como um de nós,” Assayas disse. “Para mim, ela tem uma vida normal, desejos, um namorado, e então, de repente, o mundo entra em colapso. Eu acho que ela é uma página em branco.” Stewart concorda enquanto o diretor se inclina para a frente e olha para ela. Ele continua: “Ela está sozinha com uma ausência, então ela é uma estrangeira; o mundo ao redor dela não é o seu. Ela está em uma situação onde, realmente, tudo é sobre sobrevivência, reconstrução, encontrar seu caminho, e não há interferência porque ela está sozinha em uma terra estranha.” Não fica claro se ele está falando da personagem que ele escreveu ou sobre a atriz para quem ele escreveu.
“Eu era a concha humana,” Stewart relembra a produção, sua voz quebrando com a alegria adrenalina de alguém que sobreviveu a uma experiência de quase morte. “É engraçado… Há uma lista de perguntas básicas e fundamentais que você deveria saber as respostas antes de começar a filmar. Não “deveria”, você tem que saber quem é essa pessoa antes que a história comece. Em retrospecto, é muito louco pensar nisso – eu não sabia nada sobre Maureen que não estava no roteiro, e eu não perguntei. Eu não pensei nisso.”
“Eu era um bebê sem opinião!” Ela continuou, falando mais rápido em cada palavra. “Eu não sabia nada, e foi um sentimento legal. E aterrorizante. Definitivamente precário. Mas é um lugar legal para ficar. Eu só estava ciente do que estávamos fazendo após o fato, e isso é muito pessoal.”
Mais pessoal do que sua performance em Clouds of Sils Maria? Stewart respondeu sem respirar, ela claramente considerou isso: “Parece mais pessoal porque eu me senti mais reduzida. Eu senti que o único jeito que eu poderia ter chegado a uma descoberta ou realização natural era me destruir completamente.”
Se Personal Shopper é o filme que Stewart tem trabalho, articulando melhor o destemido casual que se tornou sua assinatura, é porque nenhum dos outros papéis a levou tão fundo no desconhecido. “Eu não estava perdida,” ela insistiu. “Eu não estava tão inconsciente que eu fiquei tipo, “Não sei o que estou fazendo.’ Só estava tão aberta ao nada. Eu não estava mais fazendo um filme, não estava tentando liderar alguém para algum lugar. Eu estava apenas muito ciente do fato de que algumas perguntas possuem respostas, mas só podem ser feitas espiritualmente e sem palavras.”
Eu senti que Stewart estava tentando dizer (sem dizer) que era conseguia interpretar o luto tão bem porque ela nunca experimentou isso por si mesma. No momento, esse sentimento fez todo o sentido do mundo para mim, e desde então – enquanto eu lutei com esse filme e lutei com a névoa paralítica para escrever sobre isso – isso se tornou cada vez mais a opção mais honesta.
Stewart iria preferir se afogar do que caminhar na água, e Assayas foi inteligente o suficiente para deixá-la pular na parte mais funda da piscina. “Nós estamos sozinhos,” o diretor explicou sobre sua disposição para deixar sua atriz principal assim. “O processo do luto é solitário. Você pode conversar com seu melhor amigo, mas não vai adiantar muito no final. O que pode melhorar é algo que vem de você.”
O que Assayas sabia, e o que Personal Shopper convida Stewart a compartilhar conosco através de sua própria experiência, é que a perda não é só um processo de privação, mas também de deslocação. Luto, no meu quadro limitado de referência, é como ficar perdido na rua que você morou durante sua vida inteira. É um estado horrível de tolice. Não é algo que você pode se preparar. E o filme de Assayas respeita isso – ele é marcado por elipses que nunca são preenchidos, detalhes cruciais são deixados fora da tela, perguntas não respondidas enquanto Maureen lentamente volta a si mesma.
Perder alguém é um fato, mas é um fato que tem que ser aprendido com um idioma. Você chora incontrolavelmente, mais forte do que quando você era criança, porque você não tem palavras para expressar como você se sente. Elas vem até você, mas de um jeito lento e em pedaços que faltam gramática para que você consiga juntar. E quando você finalmente consegue falar, quando você finalmente entende como lidar com o espaço negativo entre as peças que estão faltando e montar algumas frases, sua única recompensa é que você tem falado com você mesmo esse tempo todo. O que Personal Shopper expressa melhor do que qualquer outro filme é que o luto começa com um processo de reconciliamento entre você e todos os jeitos que a pessoa se foi, mas termina com um processo de reconhecimento de todos os jeitos que eles ainda estão aqui. Ainda são uma parte de você.
“Onde quer que deixamos Maureen,” Assayas concluiu, falando sobre o espaço poderoso que fecha seu novo filme, “ela decidiu, finalmente, que seu irmão está com ela e que ele sempre estará lá.” O diretor pensou sobre isso por um momento, organizando as palavras em sua mente. “Você realmente está sozinho no luto.”
Mas graças a filmes como Personal Shopper, isso não é completamente verdade.
Em uma linha do tempo longa, todo filme é uma história de fantasmas.
Eu assisti Personal Shopper novamente após falar com Stewart e Assayas. Eu pensei sobre como Maureen convenceu a si mesma (e a mim) que ela estava recebendo mensagens do além, sobre todos os jeitos que ela tenta fazer contato com seu irmão falecido, e parece para mim que esse é um filme sobre uma mulher que pensa que ela está procurando por uma porta, mas passa a maior parte do seu tempo olhando para espelhos. Maureen pode ser capaz de ver a energia de um fantasma em um corredor, mas ela é mais assombrada do que qualquer uma das casas que ela é contratada para investigar. Ela vê seu irmão em si mesma, e tudo mais é apenas um truque de luz.
Claro, eu vejo meu pai em cada nuvem de fumaça de cigarro e nas papadas que parecem estar se formando um pouco mais rápido de cada lado do meu rosto. Eu sinto ele em botas estilosas que achei em seu guarda roupa depois que ele morreu, que serve em mim apesar do fato de que nossos pés tivessem números diferentes, e que eu usei quase todo dia após de sua morte. Eu até me encontro procurando por ele em seus filmes favoritos (“Doctor Zhivago,” “History of the World: Part One,” “Analyze This, “Mamma Mia!”, e “Django Unchained”), apertando os olhos para a tela como se ele fosse fazer uma participação especial. Mas somente em Personal Shopper, um filme que ele não viveu para ver (e um que ele provavelmente dormiria), que eu o encontrei. É o único filme que me fez sentir como se ele atendesse o telefone toda vez que eu me esquecia de mim mesmo para ligar.
Os mortos vivem em nosso corpo e correm em nossa frente como um filme passando em um projetor, e não podemos evitar de vê-los refletidos em nós. Talvez seja esse o motivo que o cinema sempre foi um barco perfeito para a outra dimensão, porque ele articula mecanicamente o processo pelo qual sempre fomos possuídos pelas pessoas que perdemos, um pulmão de ferro para nossas memórias.
No final das contas, eu contei para Stewart e Assayas sobre meu pai. Eu murmurei algo sobre ele enquanto levantávamos e dizíamos adeus – foi depois que eu parei de gravar. Eu não lembro do que eu disse (apesar de que eu estava muito ocupado ouvindo as palavras saindo da minha boca para realmente ouvir o que um deles tinha para dizer em resposta), mas foi o melhor a fazer.
Naquela noite, eu liguei para o meu pai de novo – de propósito, dessa vez. Eu tive essa ideia dramática boba: Eu ia deixar uma mensagem de voz onde eu iria dizer para ele todas as coisas que eu nunca disse, todas as coisas que ele nunca conseguiu ouvir. E… a linha foi desconectada.
Por um momento, meu coração quebrou novamente. Mas então, lendo minhas transcrição da minha conversa com Stewart e Assayas, eu percebi algo, algo que eu tinha me esquecido: Você pode estar sozinho no luto, mas isso não significa que você tem que viver com seus fantasmas.
Siga em frente é meu mantra, também. Meu pai e eu seguiremos em frente juntos.
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